FC — O garantismo necessita de uma estrutura cultural própria e, no Brasil, sentimos falta de uma base sólida voltada para estes valores. Este é um problema que se passa também aqui, na Itália?
LF — Sim, por certo. A realização de um modelo garantista está apoiada numa cultura garantística, fundada no respeito aos direitos do Homem.
Então, a jurisdição se torna um poder ambivalente ou um "contrapoder", que tem a missão de proteger as classes menos favorecidas do poder dos mais fortes. Mas, por outro lado, apresenta o mesmo perfil do poder tradicionalmente considerado.
As garantias penais e processuais penais, por sua vez, são técnicas de minimização do poder institucionalizado. E são particularmente relevantes estas "instituições-chave" inseridas na Constituição. É certo que, no Parlamento, há a vivificação da democracia política, mas são estas garantias que permitem um controle da legalidade e evitam o autoritarismo. Assim, a atuação prática dessas garantias está a exigir uma típica cultura, uma típica formação que, de um lado, possibilite uma independência em relação aos poderes do Estado e, de outro, que sensibilize para os direitos civis e políticos, em especial em relação aos mais desfavorecidos.
FC — Aproveitando o realce da necessidade de uma maior atenção aos hiposuficientes, como o senhor entende o conteúdo da fórmula jurídica "direito subjetivo público" em face da construção teórica do garantismo?
LF — A expressão nasce na cultura alemã do século passado e, depois, transfere-se para a italiana, pela obra de Santi Romano.
Na construção italiana, a fórmula "direito público subjetivo" está intimamente ligada à concessão de direitos pelo Estado com o objetivo de diminuir o papel dos direitos fundamentais. Isto porque, em sua origem, era uma idéia organicista e decisionista do Estado, de caráter anteiluminista, antejusnaturalístico, que nega o caráter social do Estado. O direito público subjetivo procuraria encerrar, então, uma autolimitação, uma auto-obrigação do poder estatal, que é uma idéia que, de fato, nega o caráter, por assim dizer, da existência de direitos contra o Estado.
Tudo isto está na base de uma certa visão que justifica a impossibilidade da existência de direitos fundamentais e mesmo de jurisdição contra o Estado. Mas na Europa há uma verdadeira revolução de paradigma constitucional e jurisdicional que vai de encontro ao denominado direito público subjetivo.
FC — Muitas vezes se argumenta que não podem andar juntas as idéias de garantismo e eficiência. Na sua visão, qual o conceito que se pode ter de eficiência para o direito e processo penal a partir de uma ótica garantística?
LF — Há de ser distinto o conceito de eficiência para o Direito e o processo penal. Para o Direito Penal há uma submissão da lei penal à lei fundamental, e o sistema processual será eficiente se realizar a tutela dos direitos fundamentais, estes nas suas mais variadas expressões, como a propriedade, honra, liberdade, etc.
Mas, por um outro lado, as expressões garantia e eficiência tendem a se confundir, para traduzir a menor intervenção penal possível e a máxima realização da tutela dos direitos fundamentais.
Surge, então, de um outro lado, aquilo que chamo de "reserva de Código", que dá uma certeza do Direito e, digamos, sua procedibilidade. Tais não se voltam contra o julgador, mas contra o legislador, que se vê limitado sobretudo na produção de legislações excepcionais, propagandísticas que, lamentavelmente, formam a maior parte do acervo de normas penais.
Voltando um pouco à garantia no seu aspecto processual, esta também compreende a correta aplicação da lei, ainda que, em certas ocasiões, não se atenda à opinião pública.
No entanto, o sistema como apontado é o único capaz de conferir a necessária credibilidade no funcionamento da jurisdição, fazendo uma maior aproximação do mecanismo da jurisdição e da população, que sente confiança na movimentação da máquina judicial a partir do respeito que esta confere às garantias fundamentais. O reverso da medalha produz a justiça privada, a fuga da jurisdição.
Retirado da internet: http://www.direitopenal.adv.br/artigo51.doc
segunda-feira, 20 de abril de 2009
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