quarta-feira, 8 de abril de 2009

Entrevista com o Ministro da Suprema Corte Argentina Raúl Zaffaroni - Parte 1

Como será a lei do futuro

Uma das maiores autoridades do
Direito Penal na América Latina e ministro da suprema corte da
Argentina afirma que legislação será mais restritiva. A culpa de tudo é
dos políticos

Welliton Carlos
Da editoria de Cidades

DM – Qual será o futuro do Direito Penal?
Zaffaroni – A legislação vai agravar mais, vamos fazer mais
besteiras, vamos agredir mais a racionalidade e o ser humano. Talvez o
povo vai descobrir que os políticos estão vendendo ilusões. Esse
direito vai delimitar mais nossas liberdades. É isso que tentam fazer
com o pretexto de dar mais segurança.

DM – Mas filmar ruas não diminui a violência?
Zaffaroni – Alguém pesquisou violência a sério? Temos estatísticas? Temos diagnósticos? Em um hospital vamos curar tudo com penicilina?

DM – É certo diminuir a maioridade penal?
Zaffaroni – É uma medida demagógica e vazia de conteúdo. O
efeito real será jogar adolescente na cadeia. A primeira coisa que
acontece lá é esse adolescente ser estuprado. Isso gera transtorno de
personalidade. Fabrica ódio e condiciona condutas posteriores
psicopáticas. Portanto, é fabricar assassino.

DM – Mas na Argentina esse limite é de 16 anos, correto?
Zaffaroni – Tem responsabilidade penal, mas somente em crimes graves.

DM – E esse modelo não poderia ser aplicado no Brasil?
Zaffaroni – Tem uma pena menor na Argentina, segundo a escala da
tentativa: um terço aumentado a menos. Não é um modelo com
responsabilidade plena.

DM – Então, isso não se aplicaria também no Brasil?
Zaffaroni – Talvez. Mas também na Argentina tivemos propostas de
descer a idade penal para 14 anos, tornando o jovem de 16 com
responsabilidade plena. Isso foi feito em 1976 pela ditadura militar.
Funcionou mal e em 1980 mudou para o sistema tradicional, onde o jovem
não cumpre a pena como criminoso comum.

DM – Discute-se por aqui a pena de morte?
Zaffaroni – Isso é uma discussão dos políticos. E seria uma
discussão muito mais demagógica ainda. Os políticos sabem que não podem
impor a pena de morte. Não podem estabelecer a pena de morte, pois
seria o caso de denunciar o Estado à Convenção Americana dos Direitos
Humanos.

DM – Mas os Estados Unidos praticam pena de morte.
Zaffaroni - Os Estados Unidos não ratificaram a Convenção
Americana dos Direitos Humanos. É um país que fala de direitos humanos,
mas não assina a convenção. O Brasil teria que sair da OEA (Organização
dos Estados Americanos) para aplicar a pena de morte.

DM – O senhor já falou sobre a possível criação de um FBI na Argentina, correto?
Zaffaroni – Exatamente. O que acontece é que temos uma Polícia
Federal que cuida também da cidade de Buenos Aires. Se perguntarmos
para um americano se acharia normal o FBI estar pegando ladrões em
Washington, os americanos diriam que estamos doidos. A função da
Polícia Federal deve ser diferente. E a polícia de Buenos Aires deveria
ter uma ação mais normal como pegar ladrão.

DM – No Brasil a Polícia Federal vem se aproximando do conceito técnico do FBI, mas faz muita propaganda de seus atos.
Zaffaroni – Não conheço bem a Polícia Federal do Brasil. Mas a polícia que defendo deve ser mais técnica.

DM – Ela seria uma polícia para combater tráfico de drogas, por exemplo?
Zaffaroni – Não penso em tráfico de drogas. Estou pensando em
coisas mais sérias. Destruição em massa, como aconteceu na Argentina,
com a embaixada de Israel. Penso em tráfico de armas, de pessoas,
exploração em massa da prostituição, crimes econômicos, corrupção mais
complexa para a Polícia Civil investigar. É preciso polícia
multiespecializada formada em Ciências Econômicas, com contatos
internacionais. Crimes como o bancário e financeiro, que necessitam de
polícia muito técnica. A América Latina precisa de uma polícia séria,
capaz de coibir estes crimes, caso do crime organizado. Eu não sei bem
o que é crime organizado, mas tenho certeza que é também corrupção. Não
funciona uma criminalidade organizada sem corrupção oficial.

DM – No Brasil se aplica muito o princípio da insignificância. Ocorre o mesmo na Argentina?
Zaffaroni – Se aplica muito. Inclusive a jurisprudência
reconhece. O poder punitivo tem que ser exercido em questões mais ou
menos sérias. Não posso dizer que temos um exemplo de privação de
liberdade se o passageiro do ônibus foi levado numa parada a mais. O
mesmo ocorre com o furto de coisas sem valor. Não teríamos orçamento
suficiente para arcar com processos em que o sujeito pegou um saquinho
de balas. Temos que criar um sistema de infrações menores para que tudo
seja resolvido de forma rápida.

DM – A Suprema Corte da Itália diz que fazer download de músicas e filmes sem permissão das gravadoras não é mais crime.
Zaffaroni – Isso é praticamente incontrolável. Todo mundo faz,
né? O mesmo aconteceu com o xerox. Acho que a proibição penal tem um
espaço imaginativo do legislador e se as condições técnicas mudam é
preciso mudar a lei. Hoje tiramos fotocópias de livros nas
universidades. Então o âmbito de proibição está abarcando algo que não
foi imaginado pelo legislador. Temos que legislar novamente se mudaram
as condições. Devemos passar a punição para o Direito Civil? Realmente
não sei. Vamos punir pesquisadores por usarem xerox? Vamos punir todos
estudantes por conta desses direitos autorais? Punir todo mundo é
impossível.

Autor: Welliton Carlos - Editoria de Cidades
Fonte de Publicação: DIáRIO DA MANHã

http://www.policiacivil.go.gov.br/gerencia/entrevistas/busca_id.php?publicacao=42172

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