quinta-feira, 16 de abril de 2009

Visão Publicista do Direito


Publicização é um neologismo criado para definir uma nova tendência do Direito, onde toda matéria legislada teria caráter público. Mesmo relações entre particulares teriam que ser de direito público, porque de uma forma ou de outra, essas relações influem na ordem social.

Os adeptos desta publicização contestam o sábio conceito de Montesquieu, consoante o qual não se devem regular segundo os princípios do direito político as coisas que dependem dos princípios do direito civil. Nesta mesma linha de pensamento, Bacon relaciona jus privatum sub tutela juris publici latet. Jellinek declarou: “O Direito Privado só é possível porque existe o Direito Público.”

Segundo essa corrente teórica, deve-se entender que todo Direito é Público. Kelsen ensina que toda ordem jurídica se apóia na vontade do Estado, o direito privado não passaria de uma individualização da norma geral, pois, o próprio Estado se confunde com o Direito :
“Se se conceituar a diferença decisiva entre direito privado e público, como a diferença entre dois métodos de produção do direito, reconhece-se, nos denominados atos públicos do Estado, exatamente atos jurídicos, como nos negócios jurídicos privados; percebe-se, antes de tudo, que a manifestação de vontade constitutiva da situação de fato, criado de direito, em ambos os casos, só é a continuação do processo de formação da vontade estatal, assim como na norma autoritária e também no negócio jurídico privado, somente a individualização de uma norma geral.”

Essa influência do Estado na órbita originalmente privada se torna, hodiernamente, cada vez mais freqüente. O direito de família, obrigações e propriedade, sofrem paulatinamente intervenção estatal, em razão de ordenar um organismo de vital importância para o Estado. Até o Direito do Trabalho que é originalmente privado toma rumo a publicização, devido à teoria do risco, nos acidentes de trabalho.

Para Michele Giorgianni , um dos principais fatores das transformações por que passou o Direito Privado no Século XIX é o advento da idéia moderna de Estado, segundo a qual a este devem ser atribuídas funções antes deixadas a cargo do particular. De fato, esta evolução corresponde exatamente às idéias filosóficas do Século XIX: o criticismo Kantiano, o idealismo, o romantismo, e o historicismo dão novo valor ao ‘grupo’, à ‘sociedade’, à ‘nação’, ao Estado, acabando por atribuir a este último a função de equilibrar a ‘liberdade’ dos indivíduos com a ‘necessidade’ da sociedade.

A publicização é uma tendência socialista do ordenamento jurídico. O socialismo reivindica uma progressiva publicização, admitindo a permanência de uma reduzida parcela de relações sociais sob o domínio do Direito Privado, passível ainda de interferência do Estado, desde que reclamada pelos interesses sociais. Para o liberalismo, o fundamental e mais importante é o Direito Privado, enquanto que o Direito Público é uma forma de proteção ao Direito Privado, especialmente ao Direito de propriedade. A radicalização do liberalismo constitui o anarquismo, que pretende a privatização absoluta do Direito.

Portanto, a publicização do Direito vem galgando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico, o eminente jurista Sílvio de Salvo Venoza postula em seu livro de Direito Civil Parte Geral, o seguinte:
“Esse fenômeno, que os juristas chamam de publicização do direito privado, é um fenômeno universal de socialização das relações jurídicas, da propriedade privada, do Direito, enfim.”

A publicização encontra arrimo no excesso de valoração constitucional. Como a Constituição está no topo da ordem jurídica, disciplinando todo o ordenamento jurídico, o direito privado, quer queira quer não, é regido pelo Direito Constitucional. Sendo este direito um direito público, conseqüentemente, o direito privado é regido pelo público. Porém, tal fato não significa o desaparecimento do direito privado, pois, a autonomia de vontade garantida pela liberdade individual, deve sobrepor a qualquer regime político e em um regime democrático deve ser resguardado a qualquer custo.

Por fim, não é verdade, ademais, que o Código Civil venha sendo substituído pela Constituição. Pensar assim é desvalorizar um e outro ramo do Direito. O Código conserva seu papel e espaço, disciplinando a essência das relações jurídicas privadas. Mas estas, agora, tornaram-se qualificadas pela norma pública, circunstância que, a rigor, não delimita a vontade, antes a valoriza, emprestando-lhe relevo maior, na medida em que cumpre agora dois objetivos: satisfazer os particulares e preservar o interesse social. No passado, o operário trabalhava apenas para pane lucrando; agora, trabalha para preservar a dignidade.


BACON APUD NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 30 ed. Pg. 99.
JELLINEK APUD NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 30 ed. Pg. 99.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: RT, 2007. 5 ed. Pg. 128.
GIORGIANNI, Michele. O Direito Privado e suas Atuais Fronteiras. São Paulo, 1998. N.747. pg.39.


Escrito por Diego Carmo de Sousa e Victor Fagundes Marques, ambos estudantes de Direito da Uesc.

2 comentários:

  1. O artigo foi bastante elucidativo, o que é ótimo, principalmente por se tratar de um tema tão atual e complexo.
    Gostaria de acrescentar apenas, expondo uma opinião pessoal, que para se concluir acerca da natureza dos dois principais ramos do direito ou para se alcançar uma exata noção da realidade das mesmas, devemos ter em mente a preponderância dos interesses em questão. Predominando-se os interesses particulares, tem-se o direito privado. Ao contrário, na predominância dos interesses que afetariam todo o grupo social, teríamos o direito público.
    Mas, sem dúvida, este é um tema que ainda renderá muitos debates. Cabe a nós, futuros operadores do Direito, estarmos preparados tanto para o debate quanto para aceitar as mudanças (para melhor) no mundo jurídico.
    Concluo os parabenizando novamente pelo artigo.

    ResponderExcluir
  2. Agradecemos o adendo e manifestação do ilustre colega, desde já convidando-o a também partcipar da construção do blog compartilhando textos ou comentários, como sempre, construtivos e muito bem-vindos. A questão da clássica divisão dicotômica público-privado realmente é antiga e controversa, alguns como Radbruch a consideram categorias histórias, outros como cita Pedro Lenza já superada, podendo-se falar em constitucinalização do direito privado e outros como Reale, aludido pelo colega, que se separaria os dois ramos pela preponderância imediata dos interesses.

    De longe está a conclusão do debate, mas como muito bem asseverado, cabe-nos estar preparados para o debate.

    Blog Saber Direito

    ResponderExcluir